segunda-feira, novembro 06, 2006

 

Imagens de outro futebol...

Nunca o tinha feito até hoje, mas decidi reproduzir aqui na íntegra a coluna de opinião do João Lopes no DN deste último domingo. A razão talvez esteja na mensagem subjacente e implícita no texto, à primeira vista sem grande conteúdo e ligado ao futebol, mas, ao mesmo tempo, intenso e profundo na crítica feita ao jornalismo do nosso país...

"Na quarta-feira, no Estádio da Luz, o Benfica obteve uma magnífica vitória sobre o Celtic de Glasgow (3-0), desse modo relançando as suas hipóteses de passagem à fase seguinte da Liga dos Campeões. Entre as memórias do jogo ficaram os festejos finais: no meio das celebrações dos benfiquistas, adeptos do Celtic aplaudiam com a alegria salutar de quem, mesmo na derrota, participava na festa.

Numa imagem muito breve era mesmo possível ver alguns apoiantes escoceses a viraram-se para o lado e para trás, cumprimentando os adeptos do Benfica. Era uma daquelas imagens que condensava o gosto simples, mas essencial, de fruição do espectáculo desportivo. Perder ou ganhar? Há coisas mais importantes.

A imagem era, de uma só vez, tão singela e tão forte que justifica que questionemos algumas opções correntes da informação televisiva. De facto, não é preciso muito esforço para compreender que a regra televisiva em relação ao futebol (e não só...) é a do sublinhado redundante. Mais do que isso: tudo aquilo que possa suscitar algum conflito clubista e pueril (por exemplo, uma grande penalidade "bem" ou "mal" assinalada) serve muitas vezes de matéria para disparatadas repetições que adquirem, literalmente, mais importância informativa que as tensões no Médio Oriente ou a corrida da Coreia do Norte ao nuclear. Ainda recentemente, a troca de mimos entre os presidentes do Benfica e do Porto foi, ao longo de uma semana, transformada em premente questão nacional.

Ora, que fazem as televisões com a saudável convivência dos adeptos de Celtic e Benfica? A resposta é simples: ignoram o assunto. Daí que o continuado discurso jornalístico (?) sobre a atenção à realidade e o primado da verdade não passe de uma obscena desculpa para alimentar as boas consciências. De facto, a realidade não se oferece numa bandeja: qualquer olhar é selectivo. Além do mais, mesmo sem invocarmos as dúvidas primitivas de Platão, sabemos que a verdade é sempre uma construção que responsabiliza qualquer narrador.

Enfim, se uma minoria de espectadores do jogo no Estádio da Luz tivesse armado alguma zaragata, teríamos uma semana de incessantes repetições das respectivas imagens... Sempre em nome da objectividade, claro."

Poderão dizer que não cabe aos jornalistas fazer serviço público... é verdade que não lhes compete a exclusividade da tarefa... mas podiam ao menos dar um ajudinha, ou seria pedir muito...

Infelizmente é desta "objectividade" que vive o jornalismo português... olhando para o lado, ignorando o que de bom se passa (e que cada vez se vai tornando mais raro...) para publicitar até à exaustão, às vezes de uma forma pornográfica, o que de mau acontece...

P.S. Se quiserem substituam zaragata de espectadores e convivência saudável por o homem que mata (notícia) e o homem que salva, o homem que faz mal (notícia) e o homem que faz o bem, o homem que maltrata (notícia) e o homem que presta assistência, o homem que rouba (notícia) e o homem que partilha...

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